A Estética
A
estética é um ramo da filosofia que se ocupa das questões tradicionalmente
ligadas à arte, como o belo, o feio, o gosto, os estilos e as teorias da
criação e da percepção artísticas.
Do
ponto de vista estritamente filosófico, a estética estuda racionalmente o belo
e o sentimento que este desperta nos homens. Dessa forma, surge o uso corrente,
comum, de estética como sinônimo de beleza. E esse o sentido dos vários
institutos de estética: institutos de beleza que podem abranger do salão de
cabeleireiro à academia de ginástica.
A
palavra estética vem do grego aisthesis e significa "faculdade de
sentir", "compreensão pelos sentidos", "percepção
totalizante". Assim, retomando o que foi exposto no capítulo anterior, a
obra de arte, sendo, em primeiro lugar, individual, concreta e sensível,
oferece-se aos nossos sentidos; em segundo lugar, sendo uma interpretação
simbólica do mundo, sendo uma atribuição de sentido ao real e uma forma de
organização que transforma o vivido em objeto de conhecimento, proporciona a
compreensão pelos sentidos; ao se dirigir, enquanto conhecimento intuitivo, à
nossa imaginação e ao sentimento (não à razão lógica), toma-se em objeto
estético por excelência.
O belo
Vejamos, agora, as questões relativas à beleza e à feiúra.
Será que podemos definir claramente o que é a beleza, ou será que esse é
um conceito relativo, que vai depender da época, do país, da pessoa, enfim? Em
outros termos, a beleza é um valor objetivo, que pertence ao objeto e pode ser
medido, ou subjetivo, que pertence ao sujeito e que, portanto, poderá mudar de
indivíduo para indivíduo?
As
respostas a essas perguntas variaram durante o decorrer da historia.
De
um lado, dentro de uma tradição iniciada com Platão (séc. IV a.C.), na Grécia,
há os filósofos que defendem a existência do "belo em si", de uma
essência ideal, objetiva, independente das obras individuais, para as quais
serve de modelo e de critério de julgamento. Existiria, então, um ideal universal
de beleza que seria o padrão a ser seguido. As qualidades que tornam um objeto
belo estão no próprio objeto e independem do sujeito que as percebe.
Levando essa idéia a suas últimas conseqüências, poderíamos estabelecer
regras para o fazer artístico, com base nesse ideal. E é exatamente isso que
vão fazer as academias de arte, principalmente na França, onde são fundadas a
partir do século XVII.
Defendendo o outro lado, temos os filósofos empiristas, como David Hume
(séc. XVIII), que relativizam a beleza, reduzindo-a ao gosto de cada um. Aquilo
que depende do gosto e da opinião pessoal não pode ser discutido racionalmente,
donde o ditado: "Gosto não se discute". O belo, dentro dessa
perspectiva, não está mais no objeto, mas nas condições de recepção do sujeito.
Kant, ainda no século XVIII, tentando resolver esse impasse entre
objetividade e subjetividade, afirma que o belo é "aquilo que agrada
universalmente, ainda que não se possa justificá-lo intelectualmente".
Para de, o objeto belo é uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito. O
princípio do juízo estético, portanto, é o sentimento do sujeito e não o
conceito do objeto. Apesar de esse juízo ser subjetivo, ele não se reduz à
individualidade de um único sujeito, uma vez que todos os homens têm as mesmas
condições subjetivas da faculdade de julgar. É algo que pertence à condição
humana, isto é, porque sou humano, tenho as mesmas condições subjetivas de
fazer um juízo estético que meu vizinho ou o crítico de arte. O que o crítico
de arte tem a mais é o seu conhecimento de história e a sensibilidade educada.
Assim, o belo é uma qualidade que atribuímos aos objetos para exprimir certo
estado da nossa subjetividade, não havendo, portanto, uma idéia de belo nem
regras para produzi-lo. Existem objetos belos que se tornam modelos exemplares
e inimitáveis.
Hegel, no século seguinte, introduz o conceito de história. A beleza
muda de face e de aspecto através dos tempos. E essa mudança (chamada devir),
que se reflete na arte, depende mais da cultura e da visão de mundo presentes
em determinada época do que de uma exigência interna do belo.
Hoje em dia, numa visão fenomenológica, consideramos o belo como uma
qualidade de certos objetos singulares que nos são dados à percepção. Beleza é,
também, a imanência total de um sentido ao sensível, ou seja, a existência de
um sentido absolutamente inseparável do sensível. O objeto é belo porque
realiza o seu destino, é autêntico, é verdadeiramente segundo o seu modo de ser,
isto é, é um objeto singular, sensível, que carrega um significado que só pode
ser percebido na experiência estética. Não existe mais a idéia de um único
valor estético a partir do qual julgamos todas as obras. Cada objeto singular
estabelece seu próprio tipo de beleza.
O feio
O
problema do feio está contido nas colocações que são feitas sobre o belo. Por
princípio, o feio não pode ser objeto da arte. No entanto, podemos distinguir,
de imediato, dois modos de representação do feio: a representação do assunto
"feio" e a forma de representação feia. No primeiro caso, embora o
assunto "feio" tenha sido expulso do território artístico durante
séculos (pelo menos desde a Antiguidade grega até a época medieval), no século
XIX ele é reabilitado. No momento em que a arte rompe com a idéia de ser
"cópia do real" e passa a ser considerada criação autônoma que tem
por função revelar as possibilidades do real, ela passa a ser avaliada de
acordo com a autenticidade da sua proposta e com sua capacidade de falar ao
sentimento.
O
problema do belo e do feio é deslocado do assunto para o modo de representação.
E só haverá obras feias se forem malfeitas, isto é, se não corres-ponderem
plenamente à sua proposta. Em outras palavras, quando houver uma obra feia,
nesse último sentido, não haverá uma obra de arte.
O gosto
A
questão do gosto não pode ser encarada como uma preferência arbitrária e
imperiosa da nossa subjetividade. Quando o gosto é assim entendido, nosso
julgamento estético decide o que preferimos em função do que somos. E não há
margem para melhoria, aprendizado, educação da sensibilidade, para crescimento,
enfim. Isso porque esse tipo de subjetividade refere-se mais a si mesma do que
ao mundo dentro do qual ela se forma.
Se
quisermos educar o nosso gosto frente a um objeto estético, a subjetividade
precisa estar mais interessada em conhecer do que em preferir. Para isso, ela
deve entregar-se às particularidades de cada objeto.
Nesse sentido, ter gosto é ter capacidade de julgamento sem
preconceitos. É deixar que cada uma das obras vá formando o nosso gosto,
modificando-o. Se nós nos limitarmos àquelas obras, sejam elas música, cinema,
programas de televisão, quadros, esculturas, edifícios, que já conhecemos e sabemos
que gostamos jamais nosso gosto será ampliado. É a própria presença da obra de
arte que forma o gosto: toma-nos disponíveis, faz-nos deixar de lado as
particularidades da subjetividade para chegarmos ao universal.
Mikel Dufrenne, filósofo francês contemporâneo, explica esse processo de
forma muito feliz, e por isso vamos citá-lo. Diz que a obra de arte
"convida a subjetividade a se constituir como olhar puro, livre abertura
para o objeto, e o conteúdo particular a se pôr a serviço da compreensão em
lugar de ofuscá-la fazendo prevalecer as suas inclinações. À medida que o
sujeito exerce a aptidão de se abrir, desenvolve a aptidão de compreender, de
penetrar no mundo aberto pela obra. Gosto é, finalmente, comunicação com a obra
para além de todo saber e de toda técnica. O poder de fazer justiça ao objeto
estético é a via da universalidade do julgamento do gosto".
Assim, a educação do gosto se dá dentro da experiência estética, que é a
experiência da presença tanto do objeto estético como do sujeito que o percebe.
Ela se dá no momento em que, em vez de impor os meus padrões à obra, deixo que
essa mesma obra se mostre a partir de suas regras internas, de sua configuração
única. Em outras palavras, no momento em que entro no mundo da obra, jogo o seu
jogo de acordo com suas regras e vou deixando aparecer alguns de seus muitos
sentidos.
Isso não quer dizer que vá ser sempre fácil. Precisamos começar com
obras que nos estejam mais próximas, no sentido de serem mais fáceis de
aceitar. E dar um passo de cada vez. O importante é não parar no meio do
caminho, pois o universo da arte é muito rico e muito enriquecedor. Através
dele, descobrimos o que o mundo pode ser e, também, o que nós podemos ser e
conhecer. Vale a pena.
Concluindo tudo isso que acabamos de discutir: os conceitos de beleza e
feiúra, os problemas do gosto e a recepção estética constituem o território
desse ramo da filosofia denominado estética.
www.oocities.org/mundodafilosofia/estetica.htm
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